Educar no mundo contemporâneo tem se configurado um grande desafio para as famílias e para a escola. O tema é bastante amplo e envolve diversos aspectos, e um deles é a forma como os jovens do século XXI se mobilizam diante de dispositivos, móveis ou não, que, conectados à internet, oferecem possibilidades de interatividade, publicação, exposição, diversão e tantas outras.
“Esse menino não larga o celular”, “Mandei deixar o celular em casa”, “Essa internet está acabando com a escrita dos meninos”, “Posso atender o celular, professora, é meu pai”, “Pergunta pro Google”, “Já tive cinquenta curtidas”, “Tenho muitos seguidores”, “Sigo a página…”, “Curta lá meu post”, “Véio, ele postou ‘aquela’ foto da menina!”, “Não gosta de mim, por que comenta minhas postagens?”… essas falas são comuns no contexto escolar. Embora possam descortinar diversas facetas relativas à educação do sujeito contemporâneo, revelam, sobretudo aos nossos olhos de professores de linguagem, práticas sociais de leitura e de escrita favorecidas pelas Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDICs), que se configuram em instigantes objetos de estudo e reflexão acerca do trabalho com linguagem na escola. Limitar nosso olhar diante de tudo isso, considerando apenas a perspectiva comportamental, é simplificar em demasia a questão. Há um claro sinal de que considerar essas práticas é uma questão de ensino.
Temos assistido à ampliação das práticas discursivas favorecidas pela internet. Os alunos postam, curtem, compartilham, comentam, replicam e dão vazão a ideias que se tornam públicas e permitem-lhes protagonizar por meio da escrita, sobretudo nas redes sociais. Por outro lado, ao longo de quase três décadas de trabalho em sala de aula, foi possível perceber um crescente desinteresse pela escrita no papel. O mesmo aluno que se recusa a escrever no papel utiliza o celular e os meios digitais para expor ideias e sentimentos por meio da escrita.
Uma pesquisa sobre o uso da internet por adolescentes brasileiros, realizada pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) em 2013, revelou um índice maior que 80% de uso das redes sociais por esses jovens, independentemente da região, sendo o Facebook a plataforma mais utilizada (92%) – esses dados inspiraram a minha pesquisa de mestrado. Acredito que atualmente devem ter se modificado devido ao crescente uso do Instagram.
Embora haja socialmente e, consequentemente, na educação, certa desconfiança acerca das redes sociais, como professora de linguagem não pude me furtar de levar em consideração os dados do Unicef acerca dessas práticas de linguagem dos adolescentes. Muitas vezes, o Facebook pode nos parecer “terra de ninguém”, causando, assim, olhares desconfiados acerca do seu uso dentro da escola. No entanto, não podemos deixar de considerar que é nessa “terra de ninguém” que se evidenciam os preceitos bakhtinianos de responsividade ativa.
Assim, aliando o perfil dos alunos às inquietações que pulsavam no exercício do meu trabalho com língua portuguesa, e à luz de autores como Bakhtin, Geraldi, Levy, entre outros, delineou-se um projeto de ensino cujo desenvolvimento foi objeto de análise de minha pesquisa no mestrado profissional em Letras (Profletras), orientada pela Profª. Drª. Adriane Teresinha Sartori. O projeto propôs a construção e alimentação de uma página no Facebook por adolescentes do 9º ano do Ensino Fundamental de uma escola municipal de Betim/MG, em 2016. Teve como questão norteadora: em que medida a construção e a alimentação de uma página no Facebook podem contribuir para o processo de produção de texto na escola, considerando o texto numa dimensão dinâmica e processual, bem como para a formação de um aluno autor eticamente responsável?
Neste artigo, relataremos alguns aspectos do desenvolvimento de tal projeto de ensino, procurando discutir questões subjacentes aos meandros do processo, responder às questões que nortearam a pesquisa, bem como analisar os resultados, imprimindo uma visão de professora pesquisadora, até finalizar com considerações acerca do uso ou não do Facebook como ferramenta pedagógica.
O PROJETO DE ENSINO E A ESCOLHA DAS FERRAMENTAS
É recorrente a ideia de que os jovens do século XXI já dominam as TDICs, uma vez que nasceram em uma época cheia de recursos e facilidades. Ao construir o projeto, já desconfiava dessa ideia, mas pensava que, em relação às redes sociais, havia realmente grande conhecimento e domínio de tais ferramentas.
Propor aos alunos a construção de uma página no Facebook causou grande interesse por parte deles e gerou muita discussão e planejamento, levando em conta o público-alvo, o que escrever, quais as estratégias de produção tendo em vista a temática. No entanto, o espaço da sala de aula nos oferece muitas situações de interlocução e incertezas.
Se, por um lado, havia uma grande motivação dos jovens no que diz respeito à página, por outro havia um coração de professora que batia feliz por tal interesse , e que se articulava ao cérebro, que racionalmente soprava: “Facebook é lugar de aula? Tem certeza de que há as condições ideais em sua escola para desenvolver projeto envolvendo internet?”.
Um projeto não se realiza apenas por convicção. Para desenvolver e lidar com as etapas, imprimindo um olhar investigativo, foi necessário buscar um arcabouço teórico sobre redes sociais, gêneros discursivos, uso pedagógico das TDICs. Ter convicção e um pouco de teoria, sobretudo quando se trata de uso das TDICs, foi importante no desenvolvimento do projeto, principalmente para enfrentar as condições adversas que caracterizam as salas de informática da maioria das escolas públicas de que temos notícia. No entanto, há de se considerar que, na escola pública, se formos aguardar as condições ideais para desenvolver qualquer projeto, coitados de nossos alunos!
O projeto de ensino, que consistiu na montagem e na alimentação de uma página no Facebook, buscou divulgar as produções dos alunos por meio de situações reais, tais como: divulgação de problemas e busca de solução, bem como a abordagem de temáticas relacionadas à vida; dúvidas e posicionamentos dos adolescentes diante do mundo em que vivem e as diversas relações que estabelecem.
NO QUE VOCÊ ESTÁ PENSANDO? O FACEBOOK
Antes de tratarmos do desenvolvimento do projeto de ensino, é importante fazermos algumas considerações acerca da rede social escolhida, o Facebook, e explicitarmos como se articularam as propostas de trabalho com os alunos.
Facebook é um uma rede social que promete, na página da empresa proprietária, proporcionar a vivência em um mundo mais aberto e conectado a partir do poder de compartilhar. Para manter essa promessa e, consequentemente, cuidar de sua longevidade, o sistema oferta aos usuários amplo acesso a diversas ferramentas de natureza interativa, em tempo real ou não: possibilidade de postar, jogos, chat, lembretes de postagens antigas, grupos fechados e abertos, dentre tantas outras.
Ao abrirmos a tela do Facebook, nos deparamos com a pergunta: No que você está pensando? Abrem-se, para nós, diversas possibilidades de enunciado com um menu de recursos multimodais para atender a variados propósitos. Além disso, uma postagem já nasce acompanhada do convite ao interlocutor de “Curtir”, “Comentar”, “Compartilhar”, desnudando claramente o jogo discursivo que prevalece entre os usuários de tal rede.
O que isso tem a ver com a produção de texto na escola? Por que foi feita a escolha de tal ferramenta? A escolha se deu porque acreditávamos que o trabalho de gestão e alimentação, pelos alunos, de uma página no Facebook lhes proporcionaria situações de produção de texto para leitores reais, em reais situações de interlocução. Todas as ações que envolveram esses processos objetivaram ampliar a percepção autora do jovem, contribuir para a consciência dos ecos do seu discurso e para posicionamentos eticamente responsáveis em relação ao que escreve, curte, comenta e compartilha, bem como criar oportunidades de ele protagonizar por meio da escrita.
Nessa perspectiva, podemos entender que não se tratava de ensinar a usar o Facebook ou qualquer outra ferramenta digital, mas de instrumentalizar os alunos para que atuassem além de simples consumidores passivos do que é produzido, contribuindo, assim, para o seu engajamento, atuação como autor e letramento digital. A proposta, então, buscou se articular à concepção de Geraldi (1984) ao entender língua/ linguagem como forma de interação entre os sujeitos em determinadas condições de enunciação. Lidar com os comentários dos leitores, ter a possibilidade de réplica, compartilhamento e curtidas oportuniza a participação de um grande texto em que se orquestram as vozes de diferentes interlocutores.
QUANDO É QUE COMEÇA?
“Querer tudo para ontem” é uma das características dos adolescentes de hoje. Jovens com idade entre 14 e 16 anos reagiram com bastante ânimo e interesse à proposta e queriam logo saber quando iriam usar o “Face” na aula de língua portuguesa. “Quando começa?” era uma pergunta recorrente deles. Queriam postar logo.
Inevitavelmente, quando se organiza uma atividade que envolve a exposição do nome da escola e o trabalho com alunos, há de se planejar, fazer combinados relativos a posturas diante da definição do que publicar, levando em conta o público-alvo, o tipo de linguagem, a “cara” do nosso “Face”, e preparar o terreno, uma vez que a participação no mundo digital requer, conforme afirma Santaella (2007, p.80), “vigilância, receptividade, escolha, colaboração, controle, desvios, reenquadramentos em estados de imprevisibilidade ou de acasos, desordens, adaptabilidades”.
Ah! As imprevisibilidades! Professora pesquisadora, feliz pela empreitada que traria cheiro de vanguarda às aulas, deparei-me com a primeira imprevisibilidade: a escolha do nome para a página. Após muitas solicitações de sugestões e mudança de estratégias para tornar tal escolha a mais democrática possível, e tendo essas tentativas frustradas, foi cobrada dos alunos sua participação e, com tom de absoluta naturalidade, eles disseram: “Escolhe alguns nomes você, professora, e depois a gente vota”. Nesse momento, passou por ali um sopro de medo misturado com frustração e perseverança, ao perceber relativo desinteresse já pelo título. Que falta de energia era aquela? Por outro lado, como eu queria que alunos acostumados a receber decisões prontas saíssem desse conforto para criar? Ai, ai, ai! O que fazer? Aprendi, assim, a primeira lição. Foi preciso tomar logo uma decisão: propus, então, três nomes e os alunos votaram em Conexão Adolescente.
Nas próximas seções, destacaremos alguns momentos ocorridos durante o desenvolvimento do projeto, não porque foram mais importantes, mas porque se configuraram como bastante ricos para análise do ponto de vista das relações que se estabeleceram, das questões metodológicas, do papel do professor e da produção de texto.
MAIS IMPREVISIBILIDADE, O POST NÃO POSTADO
A primeira proposta de produção de texto foi feita de forma única para toda a turma: qual é o problema? A ideia era que os alunos partissem de uma questão que os incomodasse e, na ocasião, foi escolhido um problema vivido pela comunidade local, que era o fechamento da Unidade de Atendimento Imediato (UAI) pelo prefeito da cidade. Como haveria manifestação da comunidade, os alunos iriam para entrevistar as pessoas, observar a reação dos que passavam e dos que participavam de tal movimento, registrar os dizeres das faixas, entre outros aspectos, e trariam o material para a sala para elaborarmos os conteúdos para alimentação da página. Eles se organizariam em grupos para realizar tal atividade.
Na aula combinada, os alunos não trouxeram material algum. Sim, foi isto: apenas uma aluna trouxe uma notícia de jornal sobre o assunto, e os demais deram desculpas de diversas naturezas, e muito semelhantes àquelas que nós, professores, temos o costume de ouvir sobre tempo, culpa do outro… Sensação de extrema impotência e desânimo habitou meu coração: será que antes de começar a alimentar a página os alunos já estavam desmotivados? Ai que vontade de correr para o livro didático e mandar fazer umas cinco páginas da unidade sobre notícia. No entanto, reuni forças alicerçada na crença de que a alimentação da página daria certo e, após um sermão, combinei que eles procurariam na web notícias sobre o fato e trariam na aula seguinte.
No dia marcado, muitos ainda não haviam trazido, e uma das alunas levou uma notícia de que a decisão de fechamento da UAI e de postos de saúde tinha sido revertida devido à chegada de uma verba estadual. Assim, estávamos diante da nossa primeira postagem, que, antes de nascer, já caducara. Fui embora para casa engolindo o gosto amargo da minha frustração e com a cabeça recheada de perguntas sobre a longevidade do projeto. Ali, aprendera mais uma lição, que residia nas minhas altas expectativas em relação à autonomia de alunos que estavam acostumados a ser tutoriados: como esperar deles ida a campo para coleta de dados? Precisava rever tudo. Ter uma pesquisa de mestrado em andamento me impeliu a imprimir um olhar mais aprofundado na experiência.
Ao conversar com alunos, a experiência se revelou extremamente enriquecedora, pois sinalizaram que a escolha de um mesmo tema para todos desenvolverem tornaria a página chata.
Assim, o post não postado ensinou a todos nós que a alimentação de uma página é mais dinâmica que a distribuição das aulas de língua portuguesa na grade escolar . Como professora, percebi que as propostas de produção de texto para essa alimentação não poderiam ser as mesmas desenvolvidas ao mesmo tempo por alunos, mesmo estando claras as condições de produção. Como pesquisadora, antes daquele momento, não havia imaginado que até o que parece não dar certo tem que servir como aspecto de análise. Nasceu, então, a mudança de estratégia.
REDESENHO E O EFEITO DO TRABALHO EM GRUPO
Tendo percebido um problema estratégico, foi preciso redesenhar a organização de todo o trabalho e organizar os alunos em grupo. Ao conversar com eles, criamos as tags: “O que o Miranda tem?” (Miranda é o nome usado pela comunidade escolar para fazer referência à escola), “Relacionamentos”, “Dicas”, “Eu protesto”, “Eu recomendo”, “Eu compartilho”, “Eu e o mundo” e ficou resolvido que todos os grupos passariam por elas definindo o que trabalhariam. E teríamos aulas em que haveria a circulação da professora para discutir as propostas trazidas pelos alunos no sentido de orientá-los em suas escolhas linguísticas, tendo em vista as suas intenções comunicativas.
Cada grupo trabalharia com uma tag por semana. Assim, teríamos textos de diferentes gêneros oriundos de diferentes tags postados na página. A escolha pela produção em grupo se revelou bastante rica e envolveu aspectos relativos ao relacionamento entre alunos e entre alunos e professora, bem como evidenciou que o professor é um gestor de pessoas e exerce um papel fundamental na coautoria do texto dos alunos quando o lê com os olhos atentos e discute as melhores formas de dizer para alcance dos efeitos desejados sobre o leitor. Não foi fácil circular e discutir toda a diversidade de intenções comunicativas e ainda lidar com os problemas internos dos grupos e a individualidade dos alunos.
AS POSTAGENS
No decorrer do projeto de ensino, e ao longo da abordagem pelos grupos dos eixos temáticos propostos pelas tags, houve momentos que se configuraram em oportunidades de aprendizagem no que concerne ao respeito à autoria, à pesquisa necessária para alicerçar as formas de dizer e à aprendizagem de algumas ferramentas sem que as mesmas fossem ensinadas como tal. Destacaremos duas delas devido ao breve espaço para esse diálogo.
O plágio: ao trabalhar com a tag “eu protesto”, uma dupla optou pela construção de um texto dissertativo sobre racismo e copiou literalmente da revista Carta Capital. Embora, em um primeiro momento, as alunas tivessem negado que isso acontecera, as intervenções relativas ao tipo de atitude, a importância do respeito à autoria e a capacidade delas de construir um texto de autoria própria resultaram em grande envolvimento da dupla na alimentação da página, e uma semente se plantou em relação a uma postura responsável diante do texto alheio.
Pesquisa para escrever: para tratar de relacionamentos, um dos grupos, a princípio, queria fazer entrevista, mas estava na dúvida quanto à escolha de um entrevistado, tendo em vista o interesse do leitor da página. Esses meninos foram provocados pela minha pergunta: por que vocês não fazem uma enquete? Embora já tivessem respondido a alguma, eles nunca haviam produzido uma. Para fazê-la, tiveram que buscar a melhor ferramenta e pensar na elaboração das questões e nas possibilidades de respostas. A constatação de dois dos componentes do grupo já nos diz tudo: “É, professora, a gente vai ter mesmo que aprender a escrever com esse projeto”; “Ah, fessora, pra fazer as perguntas, a gente vai ter que pensar dobrado em quem vai ler e no que a pessoa vai responder”. Nesse momento, percebi que, se tivesse cedido às condições adversas, não viveria a singularidade do momento de constatação, pelo aluno, do significado da aula. A enquete foi publicada e fez muito sucesso.
CONDIÇÕES ADVERSAS: A EXPERIÊNCIA SEM FILTROS
Relatar uma experiência é dar a ela o glamour de se exibir no papel e de tentar encantar o leitor, por isso sempre fico pensando em que medida, para assumir o glamour do texto, o retrato da realidade tem, em si, filtros. Sabemos que a sala de aula é um espaço das incertezas, sobretudo na escola pública, devido às condições adversas que a caracterizam. Assim, é preocupando-nos com a professora que há em mim e que há em você, leitor, quando nos depararmos com este texto, que trataremos aqui de algumas dificuldades e limitações ocorridas no desenvolvimento do projeto de ensino, explicitando como lidamos com elas e como se tornaram bons objetos de análise.
Inúmeras foram as vezes em que tivemos problemas de conexão com a internet. Infelizmente, a velocidade realmente chega a impedir a realização de qualquer atividade, sobretudo porque a aula é de cinquenta minutos. Foi necessário que alunos e a professora se mobilizassem roteando a internet de seus celulares para que alguns pudessem usar seus próprios aparelhos para postar e compensássemos a precária conexão existente na sala de informática. O pensamento de largar tudo batia em minha mente. Esse aspecto escancara uma das razões pelas quais temos muitas salas de informática fechadas, sem uso. No entanto, naquele momento, o envolvimento dos estudantes e a ausência da recorrente pergunta: “vale quantos pontos?” alimentaram não somente a página, mas o meu coração desejoso de que tudo desse certo.
Em relação aos alunos, ficaram evidenciadas dificuldades significativas quanto ao uso de algumas ferramentas oferecidas pelo Facebook e, até mesmo, de outras, como o editor de textos. Muitos não sabiam usar o e-mail. Esse aspecto sinaliza quão errônea é a concepção que permeia a nossa sociedade de que os jovens do século XXI “sabem tudo de computador” porque são “nativos digitais”.
Muitas foram as idas e vindas dos textos dos alunos. Foi possível estabelecer, com alguns grupos, a comunicação por e-mail ou Messenger, estreitando a relação professora e alunos e ampliando o tempo da aula. Houve situações em que os estudantes se sentiram à vontade para me acionar pelo Messenger mesmo tarde da noite para evitar que sua postagem “caducasse” devido à atualidade do que propunham postar.
Enxergamos aí aumento de trabalho para o professor? Sim. Não me vanglorio nem peço desculpas por achar isso bom. A vivência dessa situação e de tantas outras que, sabemos, caracterizam o trabalho com projetos e aumentam a carga de trabalho do professor nos autoriza a afirmar que a cultura do cumprimento excessivamente presencial da carga horária por esse profissional está obsoleta, sobretudo em tempos de comunicação online. Caminhamos para uma cultura menos presencial.
Por último, vale destacar que, em relação ao envolvimento, o projeto não atingiu 100% dos alunos: houve envolvimento integral por parte da maioria, mas ainda houve participação parcial de um pequeno grupo e dois alunos que optaram por apenas ficar na sala, tirar algumas sonecas e nada fazer. Penso que, por mais que a não totalidade nos angustie, todos esses grupos sempre existirão, e o nível de envolvimento dos alunos nas atividades é um grande desafio da sala de aula hoje em dia.
CONSIDERAÇÕES QUASE FINAIS
Essas considerações são quase finais porque uma pesquisa dessa natureza não finaliza quando acabam as atividades analisadas. Sempre ficam algumas questões para serem investigadas. Um pesquisador professor colhe a dor e a delícia dos resultados e das questões que ficam, e isso resulta em um olhar mais maduro para repensar aspectos da pesquisa e acrescenta novas visões e experiências suas e de outros. Além disso, as ideias e afirmações vão criando elos a partir do que provocam no leitor de um artigo como este e seguem, assim, o seu curso numa cadeia enunciativa.
A análise das ações realizadas ao longo da alimentação da página nos permite fazer considerações de diversas naturezas que envolvem o fazer pedagógico, tanto relativas à questão das relações professor/aluno e aluno/ aluno, quanto relativas à produção de texto na escola. Isso evidencia que ensinar uma língua é muito mais que tratar de aspectos linguísticos; é, também, tratar da maneira como as pessoas se relacionam, estabelecem seus elos e constroem seus discursos.
Assim, retomamos a questão norteadora da pesquisa: em que medida a construção e a alimentação de uma página no Facebook podem contribuir para o processo de produção de texto na escola, considerando o texto numa dimensão dinâmica e processual, bem como para a formação de um aluno autor eticamente responsável?
Durante o desenvolvimento do projeto de ensino, pôde-se perceber que o processo de construção e alimentação de uma página é multifacetado e, como a proposta era publicar conteúdo em uma rede social na internet, a ação produtora envolveu, necessariamente, a tomada de decisões no grupo, a escolha do conteúdo e das formas de dizê-lo, tendo em vista o público-alvo, mas sabendo, também, que, ao cair na rede, o texto seria exposto para quem quisesse lê-lo. Algumas vezes, foi necessário agir mais rápido para manter a atualidade da publicação. Indiscutivelmente houve uma ampliação da consciência desses jovens em relação a como trabalhar o seu dizer tendo em vista o público a que se destina o texto. Ou seja, participar da alimentação da página proporcionou a eles a vivência de uma situação real de interlocução, promovida, neste caso, pelo uso da internet.
As ideias preconcebidas acerca do conhecimento nato dos jovens quanto às TDICs devem ser revistas, pois mascaram um abandono por parte de toda a sociedade no que diz respeito à formação do leitor/autor em meios digitais, sobretudo quando se trata de classes menos favorecidas. A formação do autor/leitor nos meios digitais é função, também, da escola. É questão de ensino. Por isso, a luta por uma internet de melhor qualidade na escola pública precisa ser incorporada ao nosso fazer diário, visando à democratização do acesso à rede.
Talvez diante das condições adversas e da desconfiança em relação às redes sociais, ainda paire no ar a pergunta: Facebook é lugar de aula? A resposta depende de escolhas e da concepção do que é aula. Se pensarmos em uma aula com um professor na frente e todos os alunos escutando, a resposta é não. Por outro lado, ao considerar as possibilidades de ampliação da capacidade autora dos alunos e amadurecimento do seu posicionamento ético em relação ao que escreve e publica, diríamos que vale enfrentar as condições adversas. A nossa pesquisa mostrou também que a ação coletiva entre as diversas disciplinas seria potencialmente candidata a um sucesso maior.
Assim, para que o trabalho não se torne apenas um verniz de velhas práticas e sintetizar se devemos usar o Facebook nas aulas de produção de texto, tomo emprestadas e faço minhas as palavras de um saudoso professor que tive sobre “novas” tecnologias: “É necessária uma concepção não contaminada pelo encantamento do novo, nem pelo negativismo dos desencantados, para avaliarmos as possibilidades e limitações de qualquer tecnologia em educação” (Cysneiros, 2003, p.104).
REFERÊNCIAS
AMBRÓZIO, Sandra Regina. Escrita em meios digitais: uma experiência com o Facebook no Ensino Fundamental. 2016. 148p. Dissertação (Mestrado Profissional em Letras) – Faculdade de Letras/UFMG, Belo Horizonte, 2016.
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
CYSNEIROS, P. G. Fenomenologia das novas tecnologias na educação. Revista da FACED – Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia, n. 7, p. 89-107, 2003.
GERALDI, J. W. O texto na sala de aula. Paraná: Assoeste, 1984.
SANTAELLA, L. Linguagens líquidas na era da mobilidade. São Paulo: Paulus, 2007.
UNICEF. O uso da internet por adolescentes. Brasília, 2013. Disponível em: <http://www. unicef.org/brazil/pt/br_uso_internet_ adolescentes.pdf> Acesso em: 13 nov. 2015.