Detalhe, dossiê, feedback, impeachment, idem, iate… Quem, entre nós, falantes do português, nunca fez uso de uma dessas palavras? Elas estão presentes no nosso dia a dia, na fala das pessoas em geral, e configuram alguns exemplos de estrangeirismos. Nesse contexto, nos vem esta questão: tal fenômeno linguístico deve ser entendido como benefício ou como malefício ao nosso idioma?
Para início de conversa, devemos observar a dimensão que a palavra-chave dessa abordagem envolve: estrangeirismo é o uso de palavra ou expressão (construção sintática) estrangeira. Pode tratar-se de um empréstimo, como pizza e uísque – o segundo exemplo está com “roupagem” aportuguesada –, ou de um decalque, isto é, uma tradução de estrutura ou palavra estrangeira, como arranha-céu (do inglês skyscraper). Esse fenômeno sempre carrega a marca do contato entre culturas, e o peso da influência que determinada cultura tem sobre outra está vinculado a uma maior ou menor importação de estrangeirismos. Vemos, com esses exemplos, que a língua é também um produto social.
Estrangeirismo não é uma realidade da qual a língua portuguesa poderia estar desagregada. Ela própria tem suas bases no latim – é uma “flor do Lácio”, como no dizer poético de Olavo Bilac. Um dos nossos maiores escritores, Machado de Assis, empregou vários estrangeirismos, uma demonstração da erudição que lhe era própria. Em Iaiá Garcia (1878), por exemplo, lemos: “(…) Luís Garcia trabalhava, à claridade de um lampião, que toda convergia para ele e os papéis que tinha diante de si, graças ao efeito de um abat-jour (…)”. Quem, hoje, teria algum motivo para reclamar desse empréstimo francês, posteriormente aportuguesado para abajur, tão incorporado que já se encontra ao nosso vocabulário? Mas vale observar que nem sempre foi assim.
Castro Lopes, filólogo carioca do século XIX, foi bastante polêmico no seu tempo. Diante das novas palavras que apareciam entre os brasileiros, ele se mostrava um purista inflexível. Partindo de suas concepções linguísticas, o estudioso chegou a propor e a criar novos termos substitutos. Em lugar de abajur, propunha que se empregasse lucivelo, palavra que ele criara a partir das formas latinas luci, “luz”, e velo, “véu”. Alguns outros exemplos: balípodo em lugar de futebol, convescote em vez de piquenique, ludâmbulo em lugar de turista. O próprio Machado de Assis chegou a reprovar os excessos do purista. A voz do povo é a voz de Deus, e os neologismos substitutos de Castro Lopes não vingaram, à exceção de raros casos, como a palavra cardápio, que, por sua vez, nunca conseguiu abolir o menu, dividindo, portanto, espaço com este. No geral, em outros períodos, também houve puristas de plantão.
Muitas palavras advieram da chamada Revolução Tecnocientífica. Deixá-las de lado significaria prejuízo aos usuários da língua diante do contexto cada vez mais interligado com o restante do mundo. Vocábulos como backup, online, site, fax, download, selfie, jiu- -jítsu e decasségui são exemplos que nos apontam um amplo caminho de contatos e influências estrangeiras em nosso idioma. As tecnologias – que têm trazido tantas inovações –, as várias ciências, o cinema, a música e outros campos culturais e do saber nos têm apresentado novas palavras. Importa que não nos deixemos atropelar por toda essa influência lexical.
No mundo globalizado em que vivemos, a formação e a assimilação de novos termos para nomear as novidades que surgem constituem um processo praticamente constante. Por muito tempo, puristas da língua apresentaram duras críticas – muitas vezes com excessos, como vimos – à recepção de estrangeirismos. Hoje, incorporações dessa ordem têm sido aceitas com maior facilidade pelos estudiosos, sem que, porém, se tenha deixado de lado a devida cautela. Se o uso de determinado estrangeirismo é de fato indispensável, se ele apresenta repercussão significativa em outras línguas, se o idioma nacional não conta com palavra vernácula de igual sentido que o possa substituir, naturalmente será mais aceitável a incorporação vocabular ou sintática estrangeira.
Revela-se de grande importância, no campo da língua, portanto, que não sejam favorecidos abusos de estrangeirismos e que a importação de palavras de fora não ultrapasse o imprescindível e o razoável. Dentro dessas delimitações, as palavras estrangeiras portam benefícios, ampliando o potencial expressivo da nossa língua e facilitando a comunicação de novos conceitos ou ideias e de novas realidades.