O setor de Educação Básica brasileiro tem muitos desafios a vencer, a começar pelos dados demográficos do País, que mostram uma queda de 2,39 na taxa de fecundidade em 2000 para 1,79 em 2015, segundo dados do IBGE, aumentando a concorrência entre as escolas. Outro ponto está associado à adequação ao regime tributário e fiscal, que exige maior transparência dos dados escolares com o governo, uma prática que há alguns anos não era rotina nas instituições de ensino. Além disso, apesar de a maioria das escolas privadas serem geridas por um perfil familiar, não há garantia de sucessão da administração pelos filhos. Com a junção desses três fatores, muitos donos de instituições tomam consciência de que, para se manterem no mercado, a profissionalização da escola é a melhor decisão. Profissionalização não no sentido de que a instituição não seja profissional, mas de que o legado familiar deveria ser transmitido a uma gestão profissionalizada e, talvez, até mesmo uma eventual venda devesse ser considerada.
É o que o setor vem observando recentemente: a junção de grandes grupos educacionais e, com eles, a aquisição de pequenas escolas e o estabelecimento de parcerias. A recente junção aconteceu com a Saber, subsidiária da Kroton com dedicação exclusiva à Educação Básica, que anunciou a conclusão de sua união com a Somos Educação.
Para o diretor-presidente de Educação Básica da Kroton e presidente da Saber e da Somos Educação, Mário Ghio, esse processo não indica uma consolidação do setor básico no País, mas sim uma sofisticação da atividade-meio das instituições. “Acredito que não exista essa possibilidade porque grande parte das escolas privadas brasileiras acompanham um fenômeno de bairro, há uma pulverização muito grande. E consolidar significaria que todo mundo teria que operar inclusive em alguns bairros em que eventualmente não faria muito sentido. O que eu já vejo acontecer é grandes marcas, em grandes metrópoles, serem negociadas; já em marcas em regiões ou municípios menores, nessas não vejo potencial de consolidação”, explica Ghio.
O CENÁRIO EDUCACIONAL PRIVADO
A crise que afeta o País em todos os setores não deixa de fora o educacional. Muito se tem falado a respeito da migração de alunos do ensino particular para o público, mas o que de fato tem acontecido, segundo análise de especialistas da educação, é uma “dança das cadeiras”, ou seja, enquanto umas escolas ganham alunos, outras estão perdendo, principalmente as focadas nas classes C e D. Fato é que as escolas têm conseguido manter seu número de estudantes, seja por meio da negociação de pedidos de desconto, seja por meio da captação proveniente de outras escolas.
“Não há fluxo de alunos da rede privada para pública que justifique imaginarmos que esteja havendo um êxodo. A crise não trouxe esse tipo de pressão, mas sim um questionamento maior da família sobre o que ela paga para a escola. Até 2014, as famílias compravam sem questionamento os materiais didáticos e não didáticos indicados pela escola, pagavam atividades extras que a instituição propunha, como, por exemplo, as viagens. Tudo isso elas têm questionado muito. Eu tenho ouvido que a taxa de formatura tem sido muito criticada pelas famílias, que consideram o evento uma atividade relativamente supérflua. Note que o que a família está dizendo é que ela quer o filho na escola privada, mas tudo aquilo que ela puder economizar ao longo do ano com educação será considerado”, analisa Ghio.
O presidente da Saber também destaca o aumento na procura de algumas atividades complementares, como os serviços de reforço e monitoria em matemática, por exemplo. “A família, muitas vezes, prefere investir em uma orientação de estudo ou em um professor particular a ver o filho reprovado – uma tentativa de evitar o prejuízo de o aluno ter que fazer um ano inteiro novamente”, exemplifica ele.
Apesar de a captação e retenção serem aspectos que saltam mais aos olhos de gestores e donos de escolas, o principal fator a que eles devem ficar atentos de fato é a piora dos indicadores de perda de receita, como a concessão de bolsas e, principalmente, a inadimplência. É nesse sentido que a profissionalização das instituições ajuda, pois torna os processos administrativos mais eficazes, para que a escola preze pela sua atividade-fim: a educação.
UM OLHAR SOBRE A ATIVIDADE-MEIO
Ao se pensar em um perfil médio de escola básica brasileira no setor privado, percebe-se que aquelas que não são religiosas ou filantrópicas acabam sendo essencialmente instituições familiares, cujos membros, formados em pedagogia ou em outros cursos relacionados à educação, desenvolvem essa área, mas toda a parte administrativa, no geral, costuma ser realizada de forma amadora. A profissionalização da escola envolve exatamente esse aspecto, para garantir a sobrevivência da instituição no longo prazo, uma vez que a atividade-fim garante a receita, mas a área administrativa (ou seja, a atividade-meio) garante a margem para que a “empresa escola” se sustente por si mesma.
“O que eu observei em muitas escolas que nós tivemos interesse de comprar foi que elas não podiam ser vendidas porque precisavam ser muito mais sofisticadas do ponto de vista administrativo. Muitas vezes percebíamos que a contabilidade da instituição era muito primária, incompatível com uma empresa de capital aberto como a nossa. Inclusive, a escola que pretende realizar um processo sucessório no futuro deveria se organizar anos antes dessa sucessão, para que ela aconteça para um terceiro interessado ou para uma equipe profissional”, explica Ghio, ao enfatizar que as escolas, no geral, são pouco organizadas em relação a faturamento e cobrança, o que faz com que as famílias decidam pagar outras coisas que fazem uma cobrança mais intensa, como o cartão de crédito ou outros tipos de gastos, por exemplo.
Isso não quer dizer que a família não cumprirá com sua obrigação financeira, mas é um recurso que pode chegar à instituição somente no final do ano, na renovação da matrícula. Enquanto esse pagamento não acontece, muitas escolas precisam recorrer a empréstimos bancários para pagar os custos correntes. “Essa situação traz muita pressão financeira para a escola. Muitas vezes ela não pode fazer uma cobrança eficiente porque seu contrato de prestação de serviço com a família não foi bem organizado, legalmente legítimo para suportar uma cobrança, o que acaba roubando a receita da instituição porque ela está pagando juros para o sistema bancário a fim de manter sua operação”, acrescenta Ghio.
Para mudar essa situação, o primeiro passo é a equipe gestora reconhecer que a escola precisa ter um olhar profissional e, se necessário, procurar ajuda. Hoje, é possível encontrar esse suporte gratuitamente, como os oferecidos pelo Sistema S, ou contratando empresas de consultoria especializadas, de acordo com as especificidades de cada instituição, uma vez que os desafios de uma área tributária são diferentes dos da área trabalhista, fiscal e assim por diante.
A escola é um verdadeiro ecossistema e, com uma gestão administrativa melhor, consequentemente aumentará a qualidade da área pedagógica também. Os professores que recebem em dia serão sempre mais produtivos; o recurso economizado em alguns processos pode ser investido na compra e atualização de equipamentos, e até mesmo em formação. Se o back office da instituição funciona bem, o mesmo acontecerá com todos os outros processos. Nesse aspecto, Ghio destaca um ponto interessante: muitas vezes, a escola oferece recursos para o professor ou o aluno usarem, mas, no aspecto da gestão, essa ferramenta não foi preparada para ser aplicada no processo de ensino e aprendizagem. “Eu ouço com frequência que oferecemos uma plataforma de aprendizagem para a escola e que ela não a usa. Isso acontece não porque o professor ou o aluno não queiram usar, mas porque o colégio teve dificuldades na subida de dados da secretaria para a plataforma. Essa é mais uma evidência de que um problema na área administrativa acaba afetando a pedagógica”, conclui ele.