A ludicidade é fundamental para o processo de desenvolvimento e aprendizagem de crianças, e não apenas das crianças, mas de todos nós e em qualquer contexto, seja ele clínico, familiar ou escolar. Não entendo o porquê do conceito de ludicidade descaracterizar a seriedade das estratégias nos processos de aprendizagem, principalmente quando avançamos nas séries e nos segmentos da educação.
Não é raro que profissionais da equipe multidisciplinar, dentre eles os psicopedagogos, que utilizam muitos jogos em suas intervenções, sejam questionados sobre o emprego de brincadeiras em suas sessões. Mas ele vai lá só para brincar? Quantas vezes vocês ouviram tal argumento de pais e familiares de pacientes em comum.
Pois é, brincar é uma poderosa forma de atingir o desenvolvimento biopsicossocial de uma criança. A educação infantil também carrega este estigma de que é local apenas de brincadeiras e por isso não é tão essencial. Vimos esta afirmação ser atestada, na pandemia do SARS-COVID 19, quando muitas famílias retiraram seus filhos das escolas de educação infantil, por não entenderem a seriedade por trás destas estratégias ditas lúdicas e por entenderem este segmento como apenas assistencialista, um local para os filhos permanecerem enquanto desempenhamos nossas atividades laborais.
Em que momento perdemos este encantamento tão necessário ao aprendizado e ao engajamento dos alunos? Por que associar conteudismo ao padrão necessário para que metas sejam atingidas e para uma aprendizagem real?
Partindo dos preceitos da Neurociência e de tudo o que estamos vendo como necessário a aprendizagem, conclui-se que a ludicidade é a ponte entre o ser, saber e aprender.
O lúdico traz encantamento, curiosidade, engajamento, motivação, enfim inunda nosso cérebro de neurotransmissores tão importantes para a aquisição de novas aprendizagens e conceitos. Novas conexões neurais são formadas a partir deste brincar supervisionado e voltado para a experimentação e vivências corporais.
O aprendizado através de jogos de tabuleiro, contação de histórias, brincadeiras de roda, brincadeiras genuínas que são feitas na infância como: pular corda, queimada, rouba bandeira, andar de patins, bicicleta, são essenciais para o desenvolvimento psicomotor e com ele para o desenvolvimento da linguagem, das habilidades socioemocionais e tantas outras que é preciso reafirmar a sua importância.
Na psicopedagogia não é diferente. Muitos conceitos são aprendidos a partir de jogos de tabuleiro e brincadeiras. Através deles é possível, inclusive, avaliar as crianças e se estão com prontidão de habilidades esperadas para a faixa etária e escolaridade.
Não é de agora que estudiosos e teóricos como Vygotsky, Piaget, Friedrich, Froebel, Montessori, abordam esta temática em suas obras e publicações e trazem à tona esta importante discussão sobre a colaboração da ludicidade no aprendizado da infância.
A própria Base Nacional Comum Curricular ou BNCC afirma que o ato de brincar durante a infância promove a interação da criança com o seu cotidiano, proporcionando aprendizagens e potenciais para o seu desenvolvimento (BRASIL, 2018) e que quando brinca diariamente, a criança amplia e diversifica seu acesso à cultura e conhecimentos (BRASIL, 2018).
As Neurociências também atestam esta importância e vem desenvolvendo pesquisas neste campo, demonstrando estar preocupada em trazer a ludicidade de volta às nossas práticas pedagógicas, principalmente para ser fator de engajamento nesta geração digital, que não explora mais o corpo e toda sua capacidade sensorial, pois estão presos às telas.
A ludicidade é fator que agrega e desenvolve habilidades socioemocionais, gera empatia, torna as pessoas mais competitivas, focadas e em busca de objetivos que antes foram desenvolvidos a partir de brincadeiras que também trabalham nelas, as funções executivas, que envolvem planejamento, controle inibitório e memória operacional.
O brincar gera nas pessoas vários tipos de sentimentos. Pessoas agressivas podem se sentir menos agressivas graças a liberação de neurotransmissores quando brincam. Mas, estes sentimentos também podem ser exacerbados neste contexto que pode aflorar sentimentos como a competição.
Brincadeiras são boas opções de estratégias para se trabalhar a vez do outro, o ganhar e o perder, o controle das emoções e as regras sociais.
A ludicidade e o brincar também são formas de assegurar situações onde as crianças possam expressar o que sentem.
No consultório e na escola podemos verificar a condição emocional de uma crianças e suas expressões e sentimentos (tristeza, alegria, medo e raiva) só de ver a forma como ela desenha e brinca.
O Brincar torna o processo de aprendizagem mais leve e garante prontidão em vários aspectos necessários para aquisição de habilidades para que ele ocorra.
Com acima citado, gera engajamento pois torna-se mais lúdico, concreto, motivador e isto beneficia a todos os alunos e principalmente os que precisam de estratégias mais pontuais para aprender.
Todos nós apreciamos um uma boa brincadeira, uma excursão ao ar livre, por exemplo. São momentos que ficam marcados na mente dos estudantes e que são repletos de sentimentos, que foram estímulos e se tornaram aprendizagem afetiva, pois mobilizou, além das áreas da aprendizagem, nosso sistema límbico, responsável pelas emoções.
A tecnologia pode ser excelente aliada ao processo de aprendizagem, desde que tenhamos parcimônia em sua utilização.
A tecnologia possibilita engajamento dos alunos e desenvolve curiosidade. A partir dela, os alunos desenvolvem motivação e por aí vai se desenrolar todo o processo de aprendizagem de conceitos e conteúdos.
A tecnologia torna o processo concreto. Mas, tudo dentro dos limites preconizados pelas associações que tornam a exposição ao tempo de telas, algo aceitável de acordo com cada faixa etária.
Excluir os alunos do processo tecnológico, em plena era de avanços tecnológicos, não é uma condição interessante.
Sempre dá para se ter a medida certa para que as tecnologias auxiliem o processo.
Projeto de Robótica e Inclusão
Sobre o Projeto de Robótica e Inclusão, do qual sou idealizadora e coordenadora, foi realizado em 2018, em parceria com um engenheiro elétrico e tinha como objetivo constatar se a tecnologia era mais uma ferramenta com poder de engajar e incluir a todos.
Em nossas turmas de até 6 alunos, trabalhavam juntas crianças sem queixas escolares ou de aprendizagem e crianças com dificuldades e com deficiências de todos os tipos.
Crianças com TDAH, autistas, altas habilidades e superdotação, Transtorno Opositor desafiador/TOD, enfim, toda uma neurodiversidade, eram expostas a conceitos básicos de linguagem de programação. Elas desenvolveram em grupos pequenos projetos, onde todos colaboraram e tinham a missão de resolver um problema proposto pelo professor.
Foi interessante demonstrar que a tecnologia é capaz de incentivar e incluir a todos, pois eles estavam motivados e estavam no mesmo processo de descoberta e aprendizagem. Nenhum deles sabia a linguagem de programação e aprenderam juntos. E tinham que avançar juntos como um time.
Foi um belo projeto que durou aproximadamente 1 ano e meio.
Assim, foi possível comprovar que desde que bem utilizada, a tecnologia torna o processo mais colaborativo e motivador.
Fica a lição de que, quanto mais ampla e inclusiva forem pensadas as estratégias de sala de aula, mais o processo ocorre e acontece para todos, independentemente de sua condição cognitiva e necessidades individuais.
Professor! Pense em desenvolver estratégias de ensino, que contemplem a todos os seus alunos, assim a troca entre cada experiência será única, pois eles entenderão as dificuldades individuais e vocês poderão propor novas estratégias para ir resolvendo as questões que surgirão.
Sobre a autora
Luciana Cordeiro Felipetto trabalha com crianças das mais variadas dificuldades e transtornos de aprendizagem. É mestre em Ciências da Educação e especialista em psicopedagogia. Escritora de livros e artigos científicos na Área de Fonoaudiologia, Tecnologia e Educação.