Se nos permitirmos mergulhar na fantasia, sem nos dissociarmos da realidade, nenhum gênero literário é tão intenso quanto as fábulas, e por isso sempre mereceu o devido apreço em todos os tempos e de todos os povos. Para Jean de La Fontaine, a fábula comporta duas partes: o corpo e a alma, ou seja, a narrativa e a moralidade.
Uma miríade de escritores se ocupou de criar ou reescrever fábulas, gênero no qual se notabilizaram Esopo (um escravo que viveu no século VI a.C., na Grécia), o francês La Fontaine (1621-1695) e mais recentemente George Orwel (1903-1950), autor de “A Revolução dos Bichos” e “1984”. Nessas obras, Orwell faz uma reflexão: se um homem é o lobo de outro homem, é porque um deles faz o papel de cordeiro, ou seja, quando alguém se resigna a ser vítima, está fortalecendo o predador.
No entanto, uma parte dessas narrativas tão aprazíveis é enriquecida pela sabedoria popular, na qual muito se cria e se inova. Fruto dessa inventividade, a essência das duas fábulas a seguir nos foi repassada oralmente.
O Rato Planejador
Dois ratos caminhavam despreocupados, e o primeiro, julgando-se o professor de Deus, gabava-se de seu doutorado em Planejamento Estratégico obtido nos EUA, embora nunca tivesse administrado um carrinho de pipoca. Enquanto isso, um gato, fazendo tocaia, num salto abocanhou o segundo rato sob sua pata. Aterrorizado, o rato capturado implorou ao companheiro planejador:
— O que está fazendo aí parado!? Ajude-me!
— Calma, estou planejando!
— Planejando o quê!? Socorro!
— Já sei: transforme-se em um pit bull!
— Mas como?
— Ora, eu planejo, você executa!
Moral da história: entre planejar e executar, há no meio um vasto oceano, pois não é incomum encantar-se com as ideias e dar pouca ênfase ao “fazedor”. Ninguém deve minimizar a importância de um consistente planejamento, mas o que mais deve ser valorizado é o maker, aquele que efetivamente resolve os problemas na prática. No mundo ideal, o sucesso de um empreendimento, depende de um bom planejamento seguido de uma boa execução.
O Gato que Late
Nas tramas do imaginário, as fábulas de gato e rato sempre tecem boas lições: um dia é da caça, outro é do caçador. Certa vez, um rato ousado decidiu aventurar-se além de seu refúgio, enfim queria ganhar o mundo.
Enquanto explorava, um latido cortou o silêncio. “Um cão por perto, o gato deve estar distante”, pensou aliviado o rato. Mas, em um instante, um miado astuto ecoou, e o gato, num bote certeiro, capturou sua presa. Entre os dentes do felino, o rato indagou surpreso:
— Desde quando você é gato que late?
Moral da história: em tempos de globalização, dominar mais de uma linguagem é vital para a sobrevivência. Se de um lado se pode condenar a dissimulação, de outro se premia a habilidade, a astúcia, o planejamento, para se atingir o fim.
Pensamentos da Sabedoria Clássica ou Popular
“O trabalho de destruição é rápido, fácil e recreativo; o labor da criação é lento, árduo e maçante. Esta é uma das lições do século XX. Também é uma razão pela qual os conservadores sofrem desvantagem quando se trata de opinião pública. Sua posição é verdadeira, mas enfadonha; a de seus oponentes é excitante, mas falsa.” Roger Scruton (1944-2020), filósofo e escritor inglês, um cânone do pensamento conservador contemporâneo, autor de aproximadamente 50 livros.
“O desejo por sua natureza é dor; sua realização traz rapidamente a saciedade”.
Arthur Schopenhauer (1788-1860), filósofo alemão, afirmava que o mundo é um vale de lágrimas, onde a dor, a doença, o tédio e o sofrimento são a norma, e termina com o inescapável destino de que, “para a maioria dos homens, a vida não é outra coisa senão um combate perpétuo pela própria vida, que ao final será derrotada.”
“Nunca desperdice uma oportunidade para um elogio sincero.” Jacir Venturi (n.1949), professor de matemática.
Sobre o autor
Jacir J. Venturi foi professor e diretor da Educação Básica e Superior. É Cidadão Honorário de Curitiba. Autor de 4 livros.